terça-feira, 8 de março de 2011

Wanderlust


eu nunca pedi para ser sua montanha.

Foi no minuto que a gente ouviu aquela canção misteriosa que fez as borboletas balançarem dentro do nosso estômago, o gosto metálico do que nunca pudemos ter pedindo para sair nos gritos mudos que só a gente ouvia.

Ferimos os pés em cercas de arame farpado, escrevemos textos absurdos com spray lilás nas asas de uma borboleta, desejamos que o dia se dissipasse só para ver o próximo chegar;

E a gente nem se lembrava muito um do outro: eu sabia que todo o meu sofrimento corria solto sobre seus joelhos na luz daquela festa que só existia na sua cabeça;

Eu me lembro daqueles últimos quinze minutos passados num fone de ouvido, 46 discos em músicas de um minuto, a graça e a ansiedade pelo que vinha a seguir. Hahaha, Music From Big Pink e Blood On The Tracks ainda estão na minha cabeça como fotos quentes tiradas ao meio-dia. Várias mãos nos empurrando para fora, aquele riso idiota que vem nas situações mais inesperadas.

E eu abracei o que já era inevitável numa fúria bêbada vestida em blusa vermelho-sangue, os lapsos me atropelando em visões cinzas que eu só tocava depois que o branco desapareceu da minha retina embaçada de orgulho ferido.

eu nunca pedi para ser sua montanha.

Eu nunca achei que fosse fácil ser corajosa, como quando descobri o gosto da adoração e tudo o que me trouxeram foram espadas, martelos e agulhas. "A woman must have everything", não é assim que eles dizem?

E sim, eu achava que parecia ingrata com meus dentes enterrados nas mãos, mas isso era só para me lembrar do que eu ainda não conseguia desistir.

A gente não compartilhou nada, não viveu nada, não formou uma palavra de catorze letras ou viu as cordas daquele baixo nunca comprado. E eu sabia que, durante todo esse tempo, minha alma permanecia presa numa caixa vagabunda debaixo da cama.

Eu nunca contei meus desafios ou minhas vitórias numa sombra de conquistas de cor escarlate.

Eu nunca me curvei diante das possibilidades abertas na palma da minha mão.

eu nunca pedi para ser sua montanha. Nunca.
(1979)

Nenhum comentário:

Postar um comentário