domingo, 27 de março de 2011

Meus doze anos

Return of The Grievous Angel


And the man on the radio won't leave me alone
He wants to take my money for something
That I've never been shown

And I saw my devil,
And I saw my deep blue sea
And I thought about a calico bonnet from
Cheyenne to Tennessee

Fumei dois cigarros ao mesmo tempo, usei botas e chapéu de cowboy, bebi whisky de óculos escuros e toquei pedal steel numa sala de madeira velha e encharcada.

é isso aí, Gram. Você é o meu homem no rádio, meu demônio e meu oceano azul.

sábado, 26 de março de 2011

Fim de tarde


Encontrei uma borboleta no meu quarto enquanto dormia sozinha numa tarde triste de quinta-feira. Andei até a cozinha e encontrei outra lá no alto, perto da janela do banheiro e num lugar da casa que até então nem tive o trabalho de olhar. Peguei uma delas entre os dedos, as asas tão frágeis que, por instantes, pensei que fossem se dissolver em minhas mãos. Coloquei-a na porta do meu armário, na ponta do meu travesseiro, nas páginas dos meus livros favoritos. Três dias depois, descobri que ela continuava na minha prateleira, mas quando a segurei, o pó escuro da morte inevitável sujou minhas unhas.

Ela ainda está lá. Aquela mancha preta formando um olho na asa esquerda me observando como um jogo de regras falsas, uma disputa para saber quem consegue disfarçar o olhar frio que insiste em aparecer nos dias quentes. Pelo menos, eu sou a melhor fingidora.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Luto


Elizabeth Taylor (1932-2011)

terça-feira, 22 de março de 2011

Depois da corrida do ouro

que eu não durma a noite inteira
que escreva com meus dedos em carne viva
que eu retire a inspiração das pontas dos cabelos
que eu só veja o que me atinge por baixo da superfície simulada do contentamento
que eu especule
minta
inveje as armas dos dissimulados
mate o tempo com as duas mãos
rejeite o sentimento, a existência imutável, a ânsia cega

que eu retire a angústia e o odor dos sonhos ultrapassados

No fim, eu percebo

que é só açúcar. Uma cor invisível pra me fazer feliz.

Chaleira de café


Conversando com um amigo em pleno Facebook a respeito de nosso amor pela Joni Mitchell, escrevi umas palavrinhas tão bobas que só me pareceram reais e verdadeiras vinte minutos depois:

"vamo casar com ela? A gente ia ter um gato, uma chaleira com café numa casinha em Laurel Canyon e um Saltério dos Apalaches pra ela cantar A Case Of You o dia inteiro pra gente".

Sei lá, de repente chegou aquela sensação que vem de lembranças guardadas dentro de bolsos e caixinhas, a cor verde de roupinhas de aniversário, pingentes de gelo que derretem no telhado quando chega o verão, vasos de florzinhas vagabundas guardados em estantes que cheiram a madeira antiga. Tive aquele frio que corre as veias dos pés quando a gente acorda pela primeira vez, um barril de porquês que eu podia beber o dia inteiro e ainda assim ficar de pé.

Eu sopraria bolhas de sabão no meio da sala, dançaria descalça por cima do tapete de retalhos coloridos e me pintaria daquele azul lindo da capa do Blue até meu sangue correr entre as últimas notas do piano triste de The Last Time I Saw Richard.

Tudo isso em 1970.

sexta-feira, 18 de março de 2011

don't interrupt the sorrow

Death and birth death and birth death and birth

Debris (II)


antes sozinha que carregar olhos fundos cheios de esperança fria.

Senti hoje na pele a dificuldade de crescer, de estar num nível acima do que você deseja, de enxergar o que não se pode ver pelos lados. Vi minhas unhas sujas misturadas à tinta azul e ao suor desesperado, o tempo contado em segundos, os 60 minutos em dois pés de unhas roxas.

E não dá tempo de sonhar, de viver mentiras, de levar tapa na cara ou encher a cabeça de ondas perversas de sons invisíveis. Não dá tempo de formar ideias, de chorar pelo que não aconteceu, de fazer escolhas estúpidas para no fim cair no buraco da mediocridade.

e o que eu chamo de um copo cheio até as bordas nem começou.

domingo, 13 de março de 2011

Big Sur, 1969

John Sebastian, Graham Nash, Joni Mitchell, David Crosby e Stephen Stills no Big Sur Folk Festival, 1969

Só queria estar nessa plateia queimando os cabelos no sol e cantando Get Together! Por favor, enterrem meu coração na curva do rio! : (

sexta-feira, 11 de março de 2011

broken scene


Cheiro de chuva velha nas madrugadas dos lábios entre os dentes, desenhos animados manchados de amarelo e laranja, uma sala sem relógio e com os olhos ardentes pintados de vermelho no escuro.

Pessoas nos seus terninhos engomados e comendo suas pérolas no almoço, cabelinhos alisados e cheirando a perfume comprado na esquina, aquele sonho falso de que o universo foi feito para aqueles que sofrem, todo mundo viaja de primeira classe, por favor, circulem a minha alma!

Jogaram fora aquelas notas bobas escritas com canetas cor-de-rosa em papeizinhos de caderno velho enterrado na última gaveta do armário, eu chutei um castelo de areia na cara e na boca do Inferno, meu nome nem vai estar no jornal ou uma tela gigante de fundo enferrujado.

A arrogância saindo de poros quentes de soberba feia, olhos de lua cheia que chegam a ser tristes de tão ridículos, o mapa da minha trajetória de mentira desenhado atrás do caminho dos outros, vamos encarar as circunstâncias.

Olhos e pele e ossos e cílios e lábios presos numa jaula fria solta no meio da estrada, uma prisioneira solta debaixo de lentes grossas de hipocrisia fingida em noites de quarta-feira. Era o meu ego desenhado na poeira amarela na janela do meu quarto sem cor.

E aquela tontura delirante que vem o aroma doce do sucesso imaginado? Sucesso que dura oito minutos, quatro dias, dois meses, a embriaguez que fica longe, a ilusão que fica perto, a regra do jogo que fica por trás do leque de quem finge viver, the last of true believers.

Eu matei um cordeiro e tomei seu sangue só para pra provar que a cor do meu não era igual à dele. Usei o cobertor velho para molhar na chuva verde, preta, azul, lilás, de cor nenhuma. Quem sabe quando amanhecer eu acho o meu blues no telhado?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Help Me



No dia que eu me cansar de postar vídeos da Joni, eu largo tudo e vou viver como eremita no deserto de Gobi!

Adoro a forma que ela canta essa música: às vezes as palavras saem tão rápidas que dá pra ouvir sua respiração louca entre as letras no ritmo forte de uma melodia nada pretensiosa.

I'm in trouble
'Cause you're a rambler and a gambler
And a sweet taIking ladies man
And you love your lovin'
But not like you love your freedom

LINDO.

terça-feira, 8 de março de 2011

Wanderlust


eu nunca pedi para ser sua montanha.

Foi no minuto que a gente ouviu aquela canção misteriosa que fez as borboletas balançarem dentro do nosso estômago, o gosto metálico do que nunca pudemos ter pedindo para sair nos gritos mudos que só a gente ouvia.

Ferimos os pés em cercas de arame farpado, escrevemos textos absurdos com spray lilás nas asas de uma borboleta, desejamos que o dia se dissipasse só para ver o próximo chegar;

E a gente nem se lembrava muito um do outro: eu sabia que todo o meu sofrimento corria solto sobre seus joelhos na luz daquela festa que só existia na sua cabeça;

Eu me lembro daqueles últimos quinze minutos passados num fone de ouvido, 46 discos em músicas de um minuto, a graça e a ansiedade pelo que vinha a seguir. Hahaha, Music From Big Pink e Blood On The Tracks ainda estão na minha cabeça como fotos quentes tiradas ao meio-dia. Várias mãos nos empurrando para fora, aquele riso idiota que vem nas situações mais inesperadas.

E eu abracei o que já era inevitável numa fúria bêbada vestida em blusa vermelho-sangue, os lapsos me atropelando em visões cinzas que eu só tocava depois que o branco desapareceu da minha retina embaçada de orgulho ferido.

eu nunca pedi para ser sua montanha.

Eu nunca achei que fosse fácil ser corajosa, como quando descobri o gosto da adoração e tudo o que me trouxeram foram espadas, martelos e agulhas. "A woman must have everything", não é assim que eles dizem?

E sim, eu achava que parecia ingrata com meus dentes enterrados nas mãos, mas isso era só para me lembrar do que eu ainda não conseguia desistir.

A gente não compartilhou nada, não viveu nada, não formou uma palavra de catorze letras ou viu as cordas daquele baixo nunca comprado. E eu sabia que, durante todo esse tempo, minha alma permanecia presa numa caixa vagabunda debaixo da cama.

Eu nunca contei meus desafios ou minhas vitórias numa sombra de conquistas de cor escarlate.

Eu nunca me curvei diante das possibilidades abertas na palma da minha mão.

eu nunca pedi para ser sua montanha. Nunca.
(1979)

segunda-feira, 7 de março de 2011

sexta-feira, 4 de março de 2011

Golpe baixo









E mais uma vez a Criterion segue me torturando com uma coleção de filmes maravilhosos em capas que chegam a doer de tão lindas (Olha a de Três Mulheres e Fanny e Alexander!) Pena que são importados e o preço não é nada amigo - ainda consegui comprar Diário de Uma Camareira, Gritos e Sussurros e O Salário do Medo por 10 reais cada num sebo perto da faculdade! A Lume está seguindo o mesmo caminho, com filmes em embalagens igualmente perfeitas a preços ótimos.

Mas eles não vão conseguir me vencer.

Eu sou mais forte do que eu! (?)