segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Debris


Ameaça constante de partir, escrava do que passou, o interior do corpo congelado enquanto tudo do lado de fora pega fogo. Prenderam-me numa bala de prata e me atingiram o rosto. Minha visão, embaçada pelo fundo negro e azul de minha(s) alma(s) morta(s), é uma andarilha nos destroços.

Olhar para cima e caminhar sobre o deserto vermelho. Quem por aí já parou em vão?

sábado, 29 de janeiro de 2011

No Rain


Ruth uma vez me disse isto enquanto desenhávamos em janelas de vidro com as pontas dos dedos:

"Quando me vem à cabeça aquela ideia de que o inverno vai acabar, que não vou poder olhar para meus pés molhados e achá-los divinos ou mesmo sentir uma gota vagabunda cair em meus cílios presos em rímel, sinto uma vontade imensa de desaparecer na bruma, de não ter um rosto, de subir no lugar mais alto que conheço e devorar tudo que vejo com meus olhos. É como se toda a minha devoção - não sei bem a quê - se misturasse aos anos, a todos os anos que vivi, a todos os anos. Eu posso seguir fingindo que a noite não existe, cantar uma só palavra, chorar para que minhas lágrimas amargas se misturem à água doce. Eu me escondo sob uma mesa de madeira, puxo minhas cobertas até o queixo, ouço a chuva, junto as mãos e provo o que cai com a satisfação de quem vê o mundo pela primeira vez. Procuro não fingir e não me sentir fraca. É no Paraíso que os sonhos são feitos de pingentes de gelo, é lá que só encontro marcas de um passado não muito distante.

Mas eu ainda tenho muitos anos. Tenho o frio na espinha, os casacos de lã marrom, meu coração preso em câmaras e a minha velha serenidade."

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Obsessãozinha...



E mais uma vez sigo com minhas pequenas obsessões por cenas, movimentos, vozes e canções de filmes que nunca vi, mas que de longe posso sentir o cheiro, as cores e o pulsar das imagens por baixo de cada quadro formado pela retina de meus olhos úmidos.

A Mãe e a Puta (1973) - haha, amo esse título - é mais um deles.

Jean-Pierre Léaud, Jean-Pierre Léaud, no dia que eu estiver cansada de você e de seu francês cheio de charme, eu juro que nunca mais assisto a nenhum filme. Nenhum.

"Eu posso gostar de uma mulher porque ela esteve num filme do Bresson ou porque um homem que admiro está apaixonado por ela."

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Consumo


Quero esse vestido. E os sapatos. E esse cinto. E o colar. E o gato que está no espelho.

Pronto.

Inspiração: Procura-se


BB loura, BB morena, BB com delineador preto, BB sem batom. Fotos em preto e branco, desprezo, Audrey Hepburn de sapatilhas pretas com Fred Astaire e uma máquina fotográfica, Mia Farrow comendo carne crua, Cary Grant beijando Ingrid Bergman, Cybill Shepherd sendo puta pro Bogdanovich, ler na cama com um copo de chá com leite, James Taylor e Dennis Wilson num carro para o Arizona - e eu juro que estava lá também.

O rosto refletido no prato de sopa do Mick Taylor, um grão de poeira no violão do Leonard Cohen, uma palavra na voz da Joan Baez. Caçando dragões com espadas de plástico, Suzie Q sendo um anjinho no chão da cozinha, Bill Murray cantando Roxy Music, Sunshine Superman.

Uma blusa branca de mangas compridas, um casaco de lã e um sofá em forma de banheira partida. Jeanne Moreau num filme do Chaplin, Erik Satie me sufocando enquanto Louis Malle filma tudo, Ray Milland vendo um morcego na parede, Belmondo e Anna Karina queimando no Sol, oh mon amour, Antoine Doinel, Antoine Doinel!

Al Kooper tocando órgão, uma batida forte na cabeça: Like a Rolling Stone.

Dennis Wilson e James Taylor: sendo lindos

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Doigts


Frio entre os pés, gosto de bebida amarga, de bala de menta fresca;

Cheiro de mar furioso, de gota de chuva sobre as lentes, de perigo envolvido em expectativas, frias expectativas;

Dor nos espaços que estavam ali, sono, vontade de explodir o céu só para não ter que olhar para cima;

Eu me vesti para o sucesso, mas o sucesso nunca veio. De repente, era só eu quem ria das piadas, quem esperava em um lugar que eu imaginava ser o começo, mas que na verdade era o fim;

Mãos duras, olhos que não tinham cor, uma alma que não se movia;

Eu me juntei numa ação incontrolável, vivi meus melhores momentos de forma aleatória, acho que isso era o melhor que eu sabia fazer;

E os dedos imóveis sobre uma superfície invisível, uma blusa cor-de-rosa, total indiferença nos movimentos já programados;

E as piadas eram tão ruins. Tão ruins.

Vou manejar o fogo com varetas e trancar o inverno vagabundo num pote de vidro;

Vou embrulhar lembranças que não passam de diamantes e ferrugem em papel firme e jogá-las no limite entre a mentira e a verdade;

E eu tinha pressa enorme de ir embora.

(1971)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Dança da Morte


"O ritmo do filme pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. Era Uma Vez no Oeste é, do começo ao fim, uma dança da morte. Todos os personagens do filme, exceto Claudia (Cardinale), têm consciência de que não chegarão vivos ao final."
do diretor Sergio Leone

Perdi a conta de quantas vezes já li esse texto.

O filme traça um paralelo sem igual entre seus atores, os closes, as locações e a excelente trilha sonora. O que fica na memória é a sensação de perigo, a tensão que corre entre cada personagem e seu papel vivo nessa ópera da violência.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Hmmm!



"Picture this - a sky full of thunder.
Picture this - my telephone number.
One and one is what I'm telling you.
Get a pocket computer, try to do what ya used to do, yeah." (!!)

Bennie e os Jets


Bennie vai dançar com botas brancas e elétricas em cima de uma mesa de madeira no meio da cozinha;
Acordar bem cedo e limpar o batom vermelho na blusa branca do dia anterior;
Levantar domingo de manhã e fazer babyliss nos cabelos só para ver se combinam com as unhas recém - pintadas;
Dirigir pela Route 66 apenas com um vidro de perfume pela metade como bagagem;
Ouvir paredes sólidas de sons;
Acordar, dormir e dormir para acordar novamente;
Machucar os dedos com os espinhos de rosas brancas e provar do próprio sangue enquanto ela assiste a um show do Big Star pela TV velha de um hotel barato de beira de estrada;
Tomar banho na piscina do dito hotel às três da manhã e sair para retocar o delineador que borrou na água;
Ser novamente derrubada na piscina;
Encontrar Candy e Ronnie e com eles recortar fotos de revistas velhas para colá-las num postal para a Jamaica;

E enviar flores mortas para o funeral do ex-namorado.

"Oh Bennie, she's really keen"

Assim será o filme que irei dirigir. Só vai tocar Elton John, Bennie and The Jets e seu Goodbye Yellow Brick Road.

E o engraçado é que só consigo pensar na Kate Hudson ou na Evan Rachel Wood como a protagonista. Deve ser porque elas já passaram por isso também...



domingo, 2 de janeiro de 2011

Viver a vida


“I think we’re always responsible for our actions. We’re free. I raise my hand – I’m responsible. I turn my head to the right – I’m responsible. I’m unhappy – I’m responsible. I smoke a cigarette – I’m responsible. I shut my eyes – I’m responsible. I forget that I’m responsible, but I am. I told you escape is a pipe dream. After all, everything is beautiful. You only have to take an interest in things, see their beauty. It’s true. After all, things are just what they are. A face is a face. Plates are plates. Men are men. And life…is life.”

Jean-Luc Godard (1962)

Eu sei onde me achar, eu sei onde chorar

Sem dormir desde as duas da manhã, com os olhos e os sentidos nas memórias do Bob Dylan e a mesma música dos Byrds repetida oito vezes. Liguei a TV às seis e o que eu vi?



Ouvia muito essa música no caminho para a faculdade, subindo o viaduto num dia de chuva, quando o primeiro e o segundo semestre eram mais que pilhas de textos de Teorias da Comunicação, Freud e Jung. Pareceu um sinal. Eu encontrei o lugar que eu me escondia; eu descobri onde chorava.

Agarrei o lençol e cantei bem alto, sem me importar com a hora. Tudo que eu acumulei durante o ano anterior - lembranças, versos de poemas nunca feitos, pessoas que marcaram, pessoas que não estavam - desapareceram. E eu consegui, pela primeira vez, ficar feliz pelo que pode acontecer no futuro. Nunca ele me soou tão real: posso até tocá-lo com a ponta dos dedos.