sábado, 29 de janeiro de 2011

No Rain


Ruth uma vez me disse isto enquanto desenhávamos em janelas de vidro com as pontas dos dedos:

"Quando me vem à cabeça aquela ideia de que o inverno vai acabar, que não vou poder olhar para meus pés molhados e achá-los divinos ou mesmo sentir uma gota vagabunda cair em meus cílios presos em rímel, sinto uma vontade imensa de desaparecer na bruma, de não ter um rosto, de subir no lugar mais alto que conheço e devorar tudo que vejo com meus olhos. É como se toda a minha devoção - não sei bem a quê - se misturasse aos anos, a todos os anos que vivi, a todos os anos. Eu posso seguir fingindo que a noite não existe, cantar uma só palavra, chorar para que minhas lágrimas amargas se misturem à água doce. Eu me escondo sob uma mesa de madeira, puxo minhas cobertas até o queixo, ouço a chuva, junto as mãos e provo o que cai com a satisfação de quem vê o mundo pela primeira vez. Procuro não fingir e não me sentir fraca. É no Paraíso que os sonhos são feitos de pingentes de gelo, é lá que só encontro marcas de um passado não muito distante.

Mas eu ainda tenho muitos anos. Tenho o frio na espinha, os casacos de lã marrom, meu coração preso em câmaras e a minha velha serenidade."

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