segunda-feira, 30 de maio de 2011

Glória

"Não tenho certeza de nada, a não ser da santidade dos afetos do coração e da verdade da imaginação - o que a imaginação capta como beleza deve ser verdade - tenha ou não existido antes."

John Keats, carta a Benjamin Bailey,
22 de novembro de 1817

A canção era longa: in blue



Relembrando minhas noites passadas em lençóis alvejados e manhãs silenciosas na casa vazia

"The only thing I knew how to do
Was to keep on keepin’ on like a bird that flew
Tangled Up In Blue"

Silêncio


Alain Delon e Romy Schneider, 1959

domingo, 29 de maio de 2011

A última vez


oh, Canada

sangue de vinho sagrado, desespero morto pela vontade, diabos cheios de façanhas que ardem em fogo doce e amargo. Querido, estou de pé, com as mãos cobrindo o olho esquerdo, contando uma mentira encontrada nas palavras que ninguém quis dizer;

eu sei onde todo mundo esconde os segredos, quando calar a boca, tapar os ouvidos, cortar o fio que liga os incidentes ao acaso, gritar de olhos fechados;

ao sentar em bancos de bares nas esquinas, eu posso dizer quem eu pretendia ser. Mas só olhamos para o chão e para onde vão as expressões, os lugares esquecidos por Deus e o som cego, surdo e mudo que os fantasmas trazem na superfície;

arranque o que me corre pelas vísceras, faíscas doídas e amarradas à tinta da ponta de uma agulha. O chão se torna areia e água. Cadê minhas pílulas de angústia suprimida?

é exatamente como antes, os pássaros bicando minha porta até que o sangue saia de seus bicos feridos e toda minha humanidade desapareça com as penas que queimo com meu último cigarro guardado entre aneis de ouro falso;

o abandono do meu filho morto se estende nos galhos das flores que sufoquei com meu travesseiro, os anjinhos com suas asas quebradas zombando do meu olhar fixo para a luz que só pisca, que só apaga, que só existe;

o fácil e o difícil, as imagens que só existem na cabeça, o presente e o passado, a história da vida, uma novela dos falsos contos, vidros partidos em unhas de esmalte vermelho, marquem o ponto crucial do viver na minha superfície dissecada de vontades insondáveis;

cadê a noção do perigo? Para melhorar a luz que entra na janela coberta de pó, eu me abrigo na sombra dos obrigados, merci, thank you. E numa tentativa de me levar ao mundo construído pelos outros

chega alguém e penteia meus cabelos, constrói uma trança e depois a corta com os dentes esculpidos em marfim.

produzo imagens como ausência.

Joan Mitchell

wind on the road


Umas linhas encontradas numa estrada:

Respiração amarga misturada ao que vai de ontem à semana que vem, angústia talhada em palavras de cova rasa, cantando na chuva do mal que aponta o caminho para sair

O nome arranhado em carne fria de esperas e obrigações.

O segredo imaculado que mora bem perto dos lugares escondidos da consciência

ela grita com a força que levanta minha sétima veia encravada no pulso

pintem meu nome em toda esquina de minha alma, deixem passar a felicidade instantânea escondida em caixinhas frágeis de papelão branco;

deixei um prato de amoras no meio dos sinais. Encontre-o.

linhas apagadas

quinta-feira, 26 de maio de 2011

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Movimento no 1


com a montanha e a manhã nas costas, tirei meus brincos, o relógio, a pulseira e as sandálias cor-de-rosa para mover-me bem a tempo de não descobrir o que tocava a milhas e milhas.

eu podia ver por milhas e milhas, pneus de carro numa estrada de terra batida;

quem aí consegue encontrar as palavras?

domingo, 22 de maio de 2011

Jardim do bem, jardim do mal


Dá para sentir o cheiro doce que passa entre os galhos secos?

ou a luz fria de um sábado de manhã?

Nós sempre teremos Paris

sexta-feira, 20 de maio de 2011

honey, but you're so hard


Never leave me alone, Mr. Dylan.

Nunca me deixe ser como todas as outras

nunca me deixe com minha névoa, minha anfetamina e minhas pérolas

Eu abro o portão para você e os outros

Só carência mesmo.

terça-feira, 17 de maio de 2011

grito frio de triunfo


"I get the urge for going
But I never seem to go

I get the urge for going

When the meadow grass is turning brown

Summertime is falling down and winter is closing in"

para onde?

Sem título



Não resisti.

Bem melhor que uma xícara de chá e flores secas para acalmar uma segunda-feira de cão.

1907


Feliz aniversário (muito) atrasado, Kate!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

alarme falso


Manon 70

Tenho uma breve lembrança

eu atravessava apressada uma rua movimentada de Berlim ou São Paulo (?) e discutia com alguém toda a filmografia da Catherine Deneuve. Ninguém olhava para os lados, a gente só falava de La Chamade e Manon 70!

Vieram-me à cabeça a Françoise Dorléac e a vontade louca de assistir a Cul de Sac. Audrey Hepburn olhando para o chão com um copo de café e o cheiro da poeira de Mr. McCabe & Mrs. Miller fazendo-me espirrar nas imagens em tom sépia.

cantei So Long, Marianne pensando que o Leonard Cohen estava bem pertinho dali.

azul triste, doce fogo


Deitar sobre um lençol de grama molhada às quatro da manhã não me fez querer falar com o que eu não conhecia até aquele momento. Todo o dinheiro, as sombras e a água que caía da fonte de leões pretos só me atingiam na hora que eu me esquecia do que estava bem ao meu lado. Não precisei concentrar meus desejos num campo de conversas esquecidas ou ouvir os aplausos que se misturavam aos vestidinhos falsos que corriam sobre as pedras sujas de hipocrisia.

Não me lembro de nada, meu cabelo se enroscava à insanidade que me saía através dos poros que transpiravam a vontade dos refugiados nas estradas.

Levantei-me com minha blusa suja de terra fria. O desenho da BB cheirando a perfume, a última garrafa quebrada por acidente e o dia começando às nove.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Aqui bate, aqui bateu


o que será que houve com o que perdemos pelo caminho?

Transformou-se naquela capacidade enorme de nos dissociarmos do imaginário, na ânsia desesperada em negar o presente e oferecer sua alma a uma religião que só existe exatamente por não existir;

Quem quis uma batalha ganhou dois pulsos quebrados, quem se ofereceu para visualizar o segredo atrás da consciência conseguiu interrogações imersas em neblina sem tato transparente;

o que vai acontecer com o que perdemos pelo caminho?

é fácil pressionar o delete, carregar a marca feia de quem esconde o que não pode falar na própria voz?

Eu gostaria de beijar na cara da lembrança eterna, mas eu sei que eu receberia meu próprio sangue numa taça de vidro forte.


P.S.: Ai, que vestido lindo esse seu, Françoise!

sem mais


Sabe qual a nova mania?

Prender os cabelos bem alto, só para não vê-los cair nos ombros durante todo o dia.

Tudo isso para sentir a consciência arranhar o pescoço com o vento frio e não reconhecer o que nos toca de forma inesperada

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Nem aí

De manhã


aqui estamos nós dentro dos anos passados em sonhos;

tentaram ler minhas mãos, mas só encontraram pinturas vindas de orações esquecidas em linhas empoeiradas;

levante a cabeça, não deixe mais nada acontecer

assista a filmes e coma suas imagens, derreta os movimentos no céu da boca, vista os sons em atos transparentes entre unhas de cores cegas;

venda o mundo e compre-o de novo, das massas para as massas;

como foi mesmo aquele último ano passado em Marienbad?

ah, as árvores nem faziam sombra sob o sol,

só lembro que lavei meus cílios com água de chuva

terça-feira, 3 de maio de 2011

Exílio


Você está irradiando glória sobre mim

Glória

E eu olho para baixo achando que ela vem do chão