quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Capítulo IV


Envolvida em máscaras de papel vermelho e pulseiras feitas de contas de terços partidos, olhei para meus calcanhares em carne viva, e senti que podia me despir de qualquer sensação vinda de meus olhos cansados e simplesmente sorrir.

Eu não precisava que ninguém chegasse perto de mim, soprasse em meu rosto para que, enfim , eu visse o que estivesse à minha frente sem as dores de minha miopia triste;

Lambi a palma de minha mão esquerda e senti o gosto amargo do tempo passado entre dias e noites envolvidos nos véus de minha imaginação sem asas;

Repeti minha palavra favorita cem vezes seguidas até seu significado se perder em minha língua e eu cair tonta com suas sílabas em minha cabeça;

No final, ouvi A Case Of You na vitrola velha escondida na cortina branca de minha casa vazia. Só eu e aquela capa azul.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sweet, sweet, sweet...

James Taylor e Carly Simon em You Can Close Your Eyes (1977)

Aplausos


Desde a primeira vez que ouvi uma música de Nick Drake (Fly) tento de certa forma ler o que se passa em sua mente. Minha curiosidade aumenta pelo fato de não haver nenhum registro em vídeo de Drake, apenas fotos e suas canções. Sempre o imaginei com alguém que vive dentro de si, com o sentido da vida entre as mãos e o gosto do que pode acontecer bem à sua frente. Murmúrios surdos de confissões ouvidas ao pé do ouvido, sons de súplicas que não puderam ser atendidas, um universo dentro de uma casca de noz: Nick Drake era um ser que só me existia nos sons, na voz suave de de quem ama e no olhar de quem quer dizer tudo, prestes a dizer o que se esconde entre os olhos.

Ele não me era humano. Ele se escondia na bruma, nos meus sonhos ternos, atrás de mim.

Foi quando me deparei com Tanworth-In-Arden, um bootleg italiano contendo algumas gravações caseiras de Drake feitas entre 1967 e 1968.

Don't Think Twice It's All Right estava bem ali. Começa tímida e baixa, e Drake até erra a letra. É cantada a murmúrios, quase como uma canção de ninar. O lamento triste de Dylan por Suze Rotolo se transforma em uma canção dominada pela preciosidade do adeus, da necessidade de se despedir do que já não mais nos pertence. A versão de Bob Dylan continua sendo minha favorita (!), mas é como se Drake passasse a existir para mim no momento que o ouvi cantar essa música.

Nessa hora eu tive certeza: ele podia sentir o que os outros sentiam, ele podia ouvir os que outros ouviam. Drake se materializou naquela gravação antiga, era ele no meio dos ruídos.

Nick Drake cantando Bob Dylan. Acho que ouvi aplausos.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Cover Girl

Cybill Shepherd

sapatinhos vermelhos


Eu me lembro dos tempos em que eu tinha cinco anos e dançava balé.

Lembro que uma vez fiquei impressionada com a caixa de 4 cds de música clássica que a professora trazia para a aula. Só porque era vermelho escura e tinha um punhado de rosas na capa - nessa hora, meus movimentos estavam na mente, não nos pés;

Eu me lembro de todas nós sentadas em frente a um videocassete assistindo a espetáculos de balé - quando tudo o que me passava pela cabeça era como as bailarinas ficavam tão bem na pontinha dos pés. Eu queria estar em um daqueles vestidos brancos;

Naqueles espetáculos, eu tentava me banhar na luz azul que chegava aos palcos e manchava as saias claras de lilás;

O cabelo enrolado em um coque era tão faceiro quanto o rosa da minha saia envolvida no meu colã;

Até que meus pés se destruíram. Eles me levaram para a porta de um trem e os meus sapatinhos ficaram vermelhos.

Aquilo era para sempre. Era maravilhoso.