sábado, 2 de abril de 2011

Uma constatação


Com a mão bem na cara do perigo. E ele nunca teve um gosto tão bom.

domingo, 27 de março de 2011

Meus doze anos

Return of The Grievous Angel


And the man on the radio won't leave me alone
He wants to take my money for something
That I've never been shown

And I saw my devil,
And I saw my deep blue sea
And I thought about a calico bonnet from
Cheyenne to Tennessee

Fumei dois cigarros ao mesmo tempo, usei botas e chapéu de cowboy, bebi whisky de óculos escuros e toquei pedal steel numa sala de madeira velha e encharcada.

é isso aí, Gram. Você é o meu homem no rádio, meu demônio e meu oceano azul.

sábado, 26 de março de 2011

Fim de tarde


Encontrei uma borboleta no meu quarto enquanto dormia sozinha numa tarde triste de quinta-feira. Andei até a cozinha e encontrei outra lá no alto, perto da janela do banheiro e num lugar da casa que até então nem tive o trabalho de olhar. Peguei uma delas entre os dedos, as asas tão frágeis que, por instantes, pensei que fossem se dissolver em minhas mãos. Coloquei-a na porta do meu armário, na ponta do meu travesseiro, nas páginas dos meus livros favoritos. Três dias depois, descobri que ela continuava na minha prateleira, mas quando a segurei, o pó escuro da morte inevitável sujou minhas unhas.

Ela ainda está lá. Aquela mancha preta formando um olho na asa esquerda me observando como um jogo de regras falsas, uma disputa para saber quem consegue disfarçar o olhar frio que insiste em aparecer nos dias quentes. Pelo menos, eu sou a melhor fingidora.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Luto


Elizabeth Taylor (1932-2011)

terça-feira, 22 de março de 2011

Depois da corrida do ouro

que eu não durma a noite inteira
que escreva com meus dedos em carne viva
que eu retire a inspiração das pontas dos cabelos
que eu só veja o que me atinge por baixo da superfície simulada do contentamento
que eu especule
minta
inveje as armas dos dissimulados
mate o tempo com as duas mãos
rejeite o sentimento, a existência imutável, a ânsia cega

que eu retire a angústia e o odor dos sonhos ultrapassados

No fim, eu percebo

que é só açúcar. Uma cor invisível pra me fazer feliz.

Chaleira de café


Conversando com um amigo em pleno Facebook a respeito de nosso amor pela Joni Mitchell, escrevi umas palavrinhas tão bobas que só me pareceram reais e verdadeiras vinte minutos depois:

"vamo casar com ela? A gente ia ter um gato, uma chaleira com café numa casinha em Laurel Canyon e um Saltério dos Apalaches pra ela cantar A Case Of You o dia inteiro pra gente".

Sei lá, de repente chegou aquela sensação que vem de lembranças guardadas dentro de bolsos e caixinhas, a cor verde de roupinhas de aniversário, pingentes de gelo que derretem no telhado quando chega o verão, vasos de florzinhas vagabundas guardados em estantes que cheiram a madeira antiga. Tive aquele frio que corre as veias dos pés quando a gente acorda pela primeira vez, um barril de porquês que eu podia beber o dia inteiro e ainda assim ficar de pé.

Eu sopraria bolhas de sabão no meio da sala, dançaria descalça por cima do tapete de retalhos coloridos e me pintaria daquele azul lindo da capa do Blue até meu sangue correr entre as últimas notas do piano triste de The Last Time I Saw Richard.

Tudo isso em 1970.