domingo, 29 de maio de 2011

A última vez


oh, Canada

sangue de vinho sagrado, desespero morto pela vontade, diabos cheios de façanhas que ardem em fogo doce e amargo. Querido, estou de pé, com as mãos cobrindo o olho esquerdo, contando uma mentira encontrada nas palavras que ninguém quis dizer;

eu sei onde todo mundo esconde os segredos, quando calar a boca, tapar os ouvidos, cortar o fio que liga os incidentes ao acaso, gritar de olhos fechados;

ao sentar em bancos de bares nas esquinas, eu posso dizer quem eu pretendia ser. Mas só olhamos para o chão e para onde vão as expressões, os lugares esquecidos por Deus e o som cego, surdo e mudo que os fantasmas trazem na superfície;

arranque o que me corre pelas vísceras, faíscas doídas e amarradas à tinta da ponta de uma agulha. O chão se torna areia e água. Cadê minhas pílulas de angústia suprimida?

é exatamente como antes, os pássaros bicando minha porta até que o sangue saia de seus bicos feridos e toda minha humanidade desapareça com as penas que queimo com meu último cigarro guardado entre aneis de ouro falso;

o abandono do meu filho morto se estende nos galhos das flores que sufoquei com meu travesseiro, os anjinhos com suas asas quebradas zombando do meu olhar fixo para a luz que só pisca, que só apaga, que só existe;

o fácil e o difícil, as imagens que só existem na cabeça, o presente e o passado, a história da vida, uma novela dos falsos contos, vidros partidos em unhas de esmalte vermelho, marquem o ponto crucial do viver na minha superfície dissecada de vontades insondáveis;

cadê a noção do perigo? Para melhorar a luz que entra na janela coberta de pó, eu me abrigo na sombra dos obrigados, merci, thank you. E numa tentativa de me levar ao mundo construído pelos outros

chega alguém e penteia meus cabelos, constrói uma trança e depois a corta com os dentes esculpidos em marfim.

produzo imagens como ausência.

Joan Mitchell

Um comentário:

  1. As palavras sem ninguém para usá-las são apenas palavras.
    Quando você[bruna] usa as palavras-nada, vira mágica!

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